Para uma goiana como eu, agosto sempre representou um mês de “inconveniências”. Estiagem, baixa umidade, poeira no ar, limpezas infindáveis nas casas e contratação de plantões e de aviões para combate de focos de incêndio nas áreas rurais. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), até agosto de 2024, o estado de Goiás registrou cerca de 1.200 focos de incêndio em suas áreas rurais, um crescimento de aproximadamente 25% em relação ao mesmo período do ano anterior. O Pantanal, igualmente e historicamente, sofre com o fogo. Neste ano de 2024, a região passa pelo maior índice de “raridade de seca”, desde 1951. Foram mais de 661 mil hectares consumidos pelo fogo, até junho de 2024. O governo estadual do Mato Grosso do Sul decretou situação de emergência nas cidades afetadas.
Ontem, dia 25 de agosto de 2024, pipocaram notícias dos efeitos sentidos em mais de 30 cidades paulistas decorrentes de incêndio em canavial na região de Sertãozinho (SP). Ribeirão Preto foi o município que mais sentiu, com aumento importante de atendimentos nos hospitais por ação da inalação de fumaça. As aulas foram suspensas devido ao acúmulo de fuligem. Em Bebedouro, ocorreu um engavetamento de veículos na SP-322 por falta de visibilidade. Segundo a Defesa Civil, cerca de 80 pessoas estão desalojadas devido aos incêndios e 48 municípios estão em alerta máximo para queimadas. O governo estadual de São Paulo anunciou um Plano Emergencial na Saúde para ampliação dos serviços de telemedicina com pediatra e pneumologistas disponíveis 24h, diminuindo a sobrecarga nas instalações hospitalares. O foco é nos atendimentos a casos respiratórios.
As queimadas que assolam as regiões centro-oeste e sudeste são um reflexo preocupante do agravamento das mudanças climáticas, cujos efeitos vêm aumentando a frequência e a intensidade de eventos extremos. A combinação de fatores como o desmatamento, a seca prolongada e o aumento das temperaturas cria um ambiente propício para esses eventos, causando grandes prejuízos ambientais, econômicos e sociais. Além da destruição de grandes áreas de vegetação, causando prejuízos econômicos significativos e impactando negativamente o meio ambiente e a saúde pública. A deterioração da qualidade do ar, a perda de biodiversidade e o aumento de doenças respiratórias são algumas das consequências diretas das queimadas. Esses eventos reforçam a necessidade de maior monitoramento e planejamento para a prevenção e controle de incêndios, além da urgência de políticas de mitigação que abordem as causas subjacentes, como o desmatamento e a ocupação desordenada do solo.
Diante desse cenário, torna-se urgente a elaboração de políticas públicas e planejamentos estratégicos que visem tanto a mitigação quanto a adaptação às mudanças climáticas, integrando ações de proteção ambiental, desde infraestruturas à preparação da população perante momentos extremos. Para tanto, é crucial que as ações climáticas sejam vistas como parte integrante do planejamento territorial com previsão de investimentos em infraestrutura e governança. Sem um planejamento adequado, os impactos futuros podem ser ainda mais devastadores, reforçando a necessidade de uma resposta coordenada e proativa dos governos. Parcerias com universidades, organizações internacionais e o setor privado podem fortalecer a capacidade do estado de promover a inovação climática e integrar soluções tecnológicas, como monitoramento por sensores e sistemas de alerta precoce. Além disso, é necessário fomentar o engajamento comunitário, promovendo a conscientização pública e a capacitação de gestores locais para implementar práticas sustentáveis. Este ano, é basilar que os candidatos municipais tanto a nível executivo quanto a nível legislativo tragam para os holofotes eleitorais a temática de mudanças climáticas. De incêndios a enchentes.
Vários governos ao redor do mundo já implementaram planos estratégicos robustos para enfrentar as mudanças climáticas. Na França, o Plan National d’Adaptation au Changement Climatique (PNACC) busca aumentar a resiliência do país a eventos extremos por meio de políticas que integram a gestão de recursos hídricos, a proteção de áreas florestais e o planejamento territorial sustentável. Em Nova York, o plano OneNYC foca na resiliência urbana, investindo em infraestrutura adaptada para mitigar os impactos de enchentes, tempestades e outros fenômenos climáticos, além de promover a sustentabilidade em suas comunidades. O Chile, por sua vez, implementou seu Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas, com foco na proteção dos ecossistemas naturais e no fortalecimento das comunidades locais contra incêndios florestais frequentes.
No Brasil, destaca-se o PlanClima, coordenado pela Secretaria Municipal de Infraestrutura e Meio Ambiente (SECLIMA) da Prefeitura de São Paulo, é o principal instrumento de planejamento estratégico climático da cidade. Entre as principais iniciativas estão a ampliação de áreas verdes, incentivo ao transporte público sustentável, redução do consumo energético e promoção da eficiência energética nos edifícios públicos e privados. Além disso, o PlanClima inclui medidas de adaptação, como o aumento da capacidade de drenagem da cidade e programas de alerta precoce para eventos climáticos extremos.
Para enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas, diversas soluções tecnológicas têm se mostrado eficazes no monitoramento e mitigação dos impactos. Sensores e dispositivos de Internet das Coisas (IoT) permitem o acompanhamento em tempo real da qualidade do ar e das condições climáticas, ajudando a prever e prevenir incêndios e poluição. Satélites e imagens de sensoriamento remoto fornecem dados cruciais sobre desmatamento, queimadas e mudanças na cobertura do solo, enquanto modelos climáticos e simuladores ajudam a prever eventos extremos e modelar cenários futuros. Sistemas de alerta precoce, que emitem avisos sobre inundações, tempestades e incêndios, são essenciais para minimizar danos e preparar a população. Tecnologias de captura e armazenamento de carbono (CCS) e bioenergia com captura de carbono (BECCS) contribuem para a redução das emissões de gases de efeito estufa. Por fim, plataformas de dados e análise oferecem insights valiosos através da coleta e visualização de informações climáticas, apoiando a formulação de políticas e estratégias de adaptação.
A adoção de soluções inovadoras, o fortalecimento das parcerias intersetoriais, a educação e conscientização da população e o investimento em infraestrutura sustentável e resiliente, assim como em ecourbanismo, são essenciais para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos e tornar as cidades mais habitáveis. Acima e coordenando os pilares citados, deve-se haver um Plano de Governança como ponta de lança de todas as gestões públicas. Com uma abordagem integrada e adaptada à cada realidade, Goiás, Mato Grosso do Sul e São Paulo têm a oportunidade de liderar o combate às mudanças climáticas no Brasil e criar cidades mais resilientes e preparadas para o futuro. A resposta às mudanças climáticas não pode ser adiada; ela requer ações concretas e coordenadas para garantir um futuro mais seguro e sustentável para as próximas gerações. Agosto deixou de ser apenas um mês de inconveniências, tornou-se um mês de emergências. Como estaremos em agosto de 2025?
Ana Paula Cintra
Engenheira Civil, Smart City Expert e CEO Smart.Urb
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